Thursday, October 11, 2007

Penseira de Lavínia Durigan


‘FA-XI-NA!’ A veterana de cabelos loiros possuía um sorriso empolgado ao nos indicar com o braço, baldes, panos, vassouras e esfregões. Eu e as outras novatas trocamos olhares apreensivos.

‘Esse será o trote de vocês. Terão de deixar essa república um brinco por uma semana completa. Isso inclui lavar, passar, arrumar, limpar, cozinhar, lustrar...’ A outra veterana, um pouco mais baixa e morena, disse cética. A novata ao meu lado, bastante pálida, magra e com grandes olhos verdes levantou a mão. A veterana loira a indicou com a cabeça.

‘Alguma dúvida Olenova? Não sabe como manusear uma vassoura comum?’ perguntou irônica. A menina abaixou a mão mas manteve o rosto firme e disse decidida...

'Já faz um mês desde que chegamos a Durmstrang! Acho que o tempo de trotes já está esgotado.’ Concordamos com a cabeça e as duas novatas riram com gosto.

‘Não perguntamos há quanto tempo vocês chegaram aqui. Isso não muda o fato de que são NOVATAS. Quem decide a hora do trote somos nós... E se quiserem permanecer na Avalon, cumprirão isso direitinho. E digo isso em nome de todas as outras garotas, afinal, eu sou a líder este ano...’ ela sacudiu os cabelos para trás e a sua amiga exibia um ar admirado que me deu enjôo. ‘Bom, se não há mais dúvidas, podem começar!’

Se tinha uma coisa que eu definitivamente odiava na vida era obedecer a ordens. Mas desde que chegara a Durmstrang, eu descobri que o que as pessoas mais gostavam era de dar-lhes. Quando vi as duas veteranas mesquinhas saírem da república com ares triunfantes para aproveitarem seus fins de semana, senti um desejo imenso de saltar em cima daquela cabeleira loira e arrancar o máximo de fios que conseguisse, mas vendo que duas das novatas já tinham apanhado baldes e panos, respirei fundo e me aproximei das outras. A outra novata loira olhou para nós decidida, e riu. Foi uma risada tão espontânea e sobrenatural, que todas se encararam assustadas.

'Sabem, isso não vai dar certo!’ ela disse finalmente, controlando a risada. Como não falássemos nada, ela continuou. ‘Dormimos no mesmo quarto há um mês e nem se quer nos conhecemos! Se formos trabalhar separadas, não vamos conseguir limpar essa casa nunca! Então, sugiro uma breve apresentação...’ continuamos todas a encarando assustadas. Ela retirou o sorriso do rosto e soltou um muxoxo impaciente levantando um dos braços. ‘Oi. Meu nome é Ludmilla Kovac. Podem me chamar só de Milla, se preferirem.’

‘Anastácia Ivanovic. Os meus amigos costumam me chamar de Annia...’ outra novata de cabelos castanhos também levantou a mão sorrindo gentil e se apresentou.

‘Nina Olenova, e não tenho apelidos devido ao motivo óbvio de meu nome ser estupidamente pequeno. Me chamem de Nina mesmo.’ Todas nós rimos.

‘Evangeline Parvanov. Me chamem só de Evie, por favor. Odeio meu nome!’ concordamos e ela agradeceu com um aceno de cabeça. Todas olharam para mim, que acabei levantando o braço também antes de me apresentar.

‘Lavínia Durigan. Nunca me deram apelidos, portanto podem criar um se quiserem, ou me chamar de Lavínia mesmo...’ elas riram. Milla disse pensativa.

‘Lavínia... Ok, então vamos te chamar de Vina, o que acha?’

‘Tudo bem.’ Concordei sorrindo.

‘Acho que agora estamos preparadas.’ Milla disse olhando os baldes no chão. ‘Vamos deixar essa república brilhando! O que acham de cada uma cuidar de um quarto e depois limparmos juntas o andar de baixo?’ ela perguntou e concordamos dividindo o que cada uma limparia.

A semana de faxina estava só começando...

ººº

NO: Meu reino por um banho! – Nina se largou na cadeira exausta e todas nós a acompanhamos.

Finalmente havíamos terminado o último dia de trote e a república estava tão limpa que a olhamos orgulhosas.

EP: Acho que aquelas veteranas sabichonas não vão poder reclamar de nada. Fizemos um ótimo trabalho. – Evie concluiu satisfeita.
AI: Ah não... – Annia disse desanimada e a olhamos. Ela encarava fixamente um único ponto, do outro lado da sala. Todas viraram a cabeça para ver do que se tratava e no mesmo instante, o desânimo de Annia se contagiou para todas nós.
LK: Droga! O aquário do Bolha! Esquecemos de limpar a droga do aquário do ‘Bolhazinha da mamãe’! – Milla completou imitando a voz de Olga quando conversava com o peixe pelas manhãs.

O Bolha estava morando na Avalon há sete anos, e por conveniência, Olga e suas amigas puxa-saco tinham agregado a ele o símbolo de ‘mascote da casa’. Era um peixe dourado bastante gordo e egoísta. Todas as vezes que experimentaram colocar outro peixe junto com ele, o coitado amanhecia morto na manhã seguinte. Ficamos o observando nadar entre as pedras e plantas artificiais no fundo do aquário gigante até Nina se levantar decidida.

NO: Vamos limpar isso de uma vez! Somos cinco contra um peixe gordo e um aquário, nada pode dar errado...

Doce engano de cinco meninas inocentes. Mal sabíamos nós que teria sido muito melhor deixar o aquário do jeito que se encontrava... Evie, Annia e Milla carregaram o aquário até a mesa com cuidado. Nina destampou e com uma peneira eu peguei Bolha que começou a se debater entre a rede, desesperado. Coloquei-o em uma jarra de água que Milla estendia na boca do aquário e assim que caiu dentro do recipiente minúsculo o peixe começou a dar voltas descontroladas e rápidas. Annia tapou a jarra depressa. Bolha dava voltas tão rápidas que minha cabeça estava ficando tonta só de acompanhar. Nina se sentou e aproximou o rosto da jarra de modo que seu nariz encostou-se no vidro. Alisou com carinho um dos lados da jarra, mas Bolha não parou.

NO: Xiii, calminho, Bolhazinha da titia. – ela imitou a voz de Olga e Evie, eu, Milla e Annia nos entreolhamos caindo na risada logo em seguida. Nina nos lançou um olhar de censura. – Estou tentando acalmar o peixe! Vocês não deveriam estar limpando esse aquário? – perguntou irritada e paramos de rir esvaziando o aquário para começarmos a limpar.

Estava indo tudo extremamente bem. Já havíamos terminado de limpar o aquário, recolocar as pedras e plantas, enchido novamente com água limpa... Só faltava voltar Bolha para seu lugar de origem. Annia pegou a peneira e Nina destampou a jarra. Ao ver a invasão das redes, Bolha se desesperou novamente e começou a nadar para longe do alcance de Annia. Como a jarra era bastante pequena, não demorou muito e Annia o capturou. O peixe começou a se debater novamente, e assim que Annia levantou a peneira, ele deu um salto tão violento que se livrou da rede e caiu em cima da mesa.

AI: SEU PEIXE BURRO! – Annia gritou e sacudiu a peneira na direção de Bolha, mas o peixe estava quicando em cima da mesa descontrolado. – ME AJUDEM!

O grito dela nos fez sair do estado de letargia que entramos desde o momento que acompanhamos em câmera lenta o peixe se livrar da peneira. Milla e Evie saltaram em cima da mesa tentando agarrar o peixe com as mãos. Eu corri para o outro lado da mesa e também comecei a tentar capturá-lo. Nina corria ao redor da mesa gritando.

NO: Bolhazinha, seu peixe levado! Fica quietinho que a titia promete te colocar de volta no seu aquário. O que acha? FICA QUIETO, SEU ANIMAL IDIOTA! – Nina berrou levando as mãos à cabeça.

Mas o circo estava armado. Annia xingava o bicho. Evie e Milla já estavam descabeladas de saltar atrás do peixe. Eu e Nina não sabíamos o que fazer ou a quem ajudar. Depois de aproximadamente cinco minutos nessa agonia, aconteceu o que mais temíamos... Bolha parou. Ficou estático, estendido na superfície da mesa. Annia abaixou a peneira desanimada. Evie e Milla se entreolharam em desespero. Eu e Nina corremos.

LD: Parada cardio-respiratória! Ele precisa de uma massagem cardíaca!!! – com os dois dedos indicadores, comecei a pressionar o peito do peixe, que não reagiu. Milla segurou meu braço mecanicamente.
LK: Ele está morto. Vamos pelo menos entregá-lo à Olga sem furos.
EP: NÃO! Ele não está morto Milla. Vina está certa. Ele precisa de ar! Me abram espaço... – Evie pegou Bolha e o aproximou a boca do bicho de sua própria boca, começando a sugá-lo. O que deveria ser uma respiração boca-a-boca quase terminou em uma tragédia pior. Evie se desesperou ao ver que o peixe não reagia e sugou com tanta força o peixe que acabou o engolindo. Engasgou-se na mesma hora apertando a garganta e tossindo.
AI: EVIE! – Annia correu até ela e começou a socar com violência suas costas. Bolha saiu da boca de Evie e caiu no chão.
NO: Ótimo! Agora além de morto, ele está todo babado. – Nina pegou o peixe na ponta dos dedos enojada. – Realmente ótimo!
EP: Pelo menos não fiquei de braços cruzados assistindo tudo! – Evie disse com raiva recuperando a voz. Nina não respondeu.

A cena toda seria cômica se não fosse trágica. Um minuto depois ouvimos a porta da sala se abrir e congelamos. Olga e Diana entraram na república rindo e olharam ao redor.

‘Uau. A república está bastante limpa, não está? Acho que as novatas estão livres do tro...’ Olga ia dizendo, mas ao ver que estávamos congeladas ali, Nina segurando Bolha esticado no ar, completamente imóvel, ela arregalou os olhos aterrorizada e soltou um berro agudo que preencheu todo o ar. Com o susto, Nina deixou o cadáver do peixe cair no chão e nos precipitamos para recolhê-lo, mas era tarde demais. Olga já vinha na nossa direção, aos prantos. Diana tinha as mãos na boca. ‘O QUE VOCÊS FIZERAM COM O BOLHA??? BOLHAZINHA, ACORDA! BOLHA, ME CONTA O QUE ELAS FIZERAM COM VOCÊ! BOLHA!’

Era Olga quem estava desesperada agora. Sacudia Bolha freneticamente, chorando. Evie se adiantou com cara de enterro e segurou os braços da menina.

EP: Para Olga, para! Não adianta!

‘TIRA SUAS MÃOS ASSASSINAS DE MIM! BOLHA!’

LK: PARA OLGA! DEIXA DE SER IDIOTA! O SEU PEIXE ESTÁ MORTO! – Milla gritou parecendo a beira de entrar em colapso. Olga parou de sacudir o peixe morto por um momento e a encarou com ódio. – Desculpe... Nós não queríamos, mas foi um acidente. Fomos limpar o aquário e ele escapou da rede, caiu, e ninguém conseguiu agarrá-lo...

A cada palavra que Milla dizia, uma veia diferente pulsava na têmpora de Olga. Lágrimas ainda escorriam em seu rosto, mas os seus olhos adquiriram um novo tom maníaco quando recomeçou a gritar.

‘ASSASSINAS! FORA DAQUI! NÃO QUERO OLHAR NUNCA MAIS PARA A CARA DE VOCÊS! SUMAM DA MINHA FRENTE!’

NO: Não vamos sair. – Foi a vez de Nina falar. Embora ela estivesse com uma expressão de culpa, falou firme. Olga a encarou. – Não vamos sair daqui pois você não pode nos expulsar. Só o diretor pode. Então, aprenda a controlar seu ódio, pois vai ter que conviver conosco.

‘CERTO! VOCÊS QUEREM GUERRA? É GUERRA QUE TERÃO. NÃO POSSO MESMO EXPULSAR VOCÊS DA REPÚBLICA, MAS DO QUARTO SIM. A PARTIR DE HOJE, VOCÊS TODAS ESTÃO BANIDAS PARA O SÓTÃO, CASO NÃO QUEIRAM DORMIR NA SOLEIRA DA CASA!’

Pegando Bolha e recomeçando a chorar, Olga virou as costas e saiu correndo, batendo a porta ao passar. Diana ficou nos encarando por um momento sem qualquer expressão, então saiu correndo atrás dela. O silêncio caiu na sala. Evie desabou na cadeira com as mãos na cabeça. Nina andava de um lado para outro. Milla, Annia e eu continuamos estáticas.

EP: Elas podem mesmo nos banir? – Evie perguntou com a voz sufocada pois escondia o rosto nas mãos. Nina disse amarga.
NO: Pode. A líder da república comanda a divisão de quartos. QUE DROGA DE PEIXE MALDITO!
LK: Onde foi parar o ‘Bolhazinha da titia’? – Milla perguntou. Por um instante, todas nós trocamos olhares tensos e culpados, e um segundo depois começamos a gargalhar.
LD: Eu sei que é trágico, que vão nos odiar para sempre por termos assassinado o mascote da Avalon, mas tenho que admitir... Isso está muito engraçado! Parece cena de comédia teatral!
AI: Acho que começamos mal por aqui, e vocês? – Annia perguntou secando lágrimas. Concordamos. Nossa fama estava no lixo.
NO: Bom, acho melhor respeitarmos o luto da Olga e começarmos agora mesmo nossa mudança para o sótão. Podemos colocar ordem ali... Depois de pronto, teremos um andar inteiro só nosso! – ela completou e rimos.

A partir daquele dia, a nossa amizade só cresceu. Tudo bem que Olga tratou de colocar nossa reputação no chão ao contar dramaticamente o episódio na manhã seguinte para todas as outras meninas. Mas já não nos importávamos. Alguns meses depois ela se formou e nós passamos a ser veteranas. O restante das meninas esqueceu da história e nos tratava bem. O nosso sótão demorou a ser organizado, mas no final de uma semana, estava colorido, arejado, claro, e com a nossa cara. Foi nesse quarto onde várias noites passamos em claro nos ajudando, rindo, bolando teorias e criando momentos que nunca mais seriam esquecidos por nenhuma de nós, ‘as meninas da Avalon’.

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N.A.: Texto de como Evie, Annia, Milla, Nina e Vina se tornaram tão amigas. Baseado em fatos um tanto reais ocorridos com a And, e estruturado a partir de uma conversa do trio: Ju, And e eu (Tandi).